O biólogo Maurício Carvalho, fundador do site ‘Naufrágios do Brasil’, tem dedicado grande parte de sua carreira a resgatar e divulgar a história dos naufrágios ao longo das costas brasileiras. A paixão pelo tema, que começou com a pesquisa sobre recifes artificiais, acabou se transformando em um trabalho de décadas para resgatar informações históricas sobre navios afundados e seu impacto no ecossistema marinho.
Carvalho, formado pela Universidade de Brasília, conta que sempre se interessou em assuntos relacionados a recifes artificiais, mas como não haviam datas documentadas, precisou buscar em jornais e documentos antigos.
“Fui levado a pesquisar sobre navios afundados para entender melhor a taxa de crescimento da vida nesses locais, mas logo percebi que as datas e as informações sobre esses naufrágios eram escassas. Então, tive que buscar nas páginas de jornais antigos e documentos históricos para construir essa história”, contou.
A pesquisa realizada por ele não é apenas sobre identificar navios afundados, mas também sobre entender a relação desses naufrágios com o ecossistema marinho. Segundo ele, os mergulhadores se interessam muito mais por locais de mergulho que, além de serem ricos em fauna, possuem uma história fascinante.
“As pessoas em geral já têm uma curiosidade natural sobre naufrágios, e os mergulhadores ainda mais. Quando há um ponto de mergulho que, além de acumular vida marinha, carrega uma história interessante, como batalhas ou mistérios, isso torna a experiência ainda mais empolgante para quem visita. Eu mesmo, por exemplo, sempre fui apaixonado pelo naufrágio do Cavo Artemíde, o maior do Brasil, mas, com o tempo, comecei a valorizar ainda mais o Blackadder, um naufrágio em Salvador que, até pouco tempo atrás, era pouco explorado”, diz.
O Brasil, com suas vastas costas e história de intensa navegação, tem um número considerável de naufrágios históricos. Carvalho explica que, no passado, a navegação era a principal forma de transporte de carga, o que resultava em um número muito maior de navios em circulação do que nos dias de hoje.
“No passado, não existiam rodovias nem aviação, e a navegação era a única forma de transporte de carga. Isso fez com que a quantidade de navios fosse muito maior do que vemos hoje. Além disso, a falta de um bom mapeamento e a ausência de instrumentos de navegação precisos contribuíam para muitos acidentes”, analisa.
Em seu trabalho, o biólogo recorre a diferentes fontes para identificar naufrágios. A pesquisa histórica, com a consulta a arquivos da Marinha, jornais de época e até mesmo relatos de pescadores locais, é fundamental.
“O processo de pesquisa é como um trabalho de detetive. Começamos com os dados disponíveis e, dependendo do caso, partimos para uma investigação mais aprofundada. Às vezes, encontramos naufrágios cuja identidade ainda não foi determinada. Para esses casos, usamos vários recursos como arquivos da Marinha, jornais de época e informações de pescadores locais. Por exemplo, a Avenida Jequitaia, em Salvador, pode ter sido nomeada em homenagem a um navio afundado na região, mas isso ainda está sendo investigado”, explica Carvalho.
Para ele, a pesquisa sobre os naufrágios é um processo de “detetive”, que combina investigação histórica e trabalho de campo. Ele compartilha uma recente descoberta que envolveu um dos naufrágios mais famosos de Recife, conhecido como “Vapor dos 48”.
“Esse é um caso emblemático. Fiquei 20 anos investigando esse naufrágio e, finalmente, conseguimos confirmar que se tratava do Vapor Jaguaribe. Esse tipo de descoberta é muito gratificante, especialmente quando conseguimos resolver mistérios que duram tanto tempo”, comenta.
Recentemente, Carvalho também trabalhou na descoberta do naufrágio do Pirapama, em Recife, um dos naufrágios mais conhecidos do país, cujas datas de afundamento eram desconhecidas até que uma pista histórica crucial foi encontrada.
“Foi uma surpresa quando finalmente conseguimos identificar a data de afundamento do Pirapama. Até então, não sabíamos exatamente quando o navio tinha afundado. Mas, com a pesquisa histórica e o trabalho de campo, a informação apareceu, e isso foi um grande marco”, diz ele.
Atualmente, Carvalho está envolvido na pesquisa de um naufrágio em Salvador, cuja identidade está prestes a ser divulgada.
“Estamos fechando uma pesquisa recente sobre um novo naufrágio em Salvador, que foi localizado por mergulhadores da cidade. Eles recorreram a mim para ajudarmos a identificar o navio. Agora, depois de muita pesquisa, temos as informações necessárias e, em breve, poderemos divulgar para a comunidade”, afirma.
O trabalho de Maurício Carvalho não só preserva a memória histórica, mas também contribui para o entendimento ambiental dos impactos desses naufrágios.
Fotos: acervo pessoal